segunda-feira, 31 de dezembro de 2012

Assim na terra como no céu

No trem de Paris para Roma, acordei com um ladrãozinho querendo roubar a minha bolsa. Além do dinheiro, ele queria meu passaporte. É que, antigamente, o passaporte brasileiro era muito fácil de falsificar. Por sorte, acordei a tempo e puxei a minha bolsa da mão dele. Um homem! Até fiquei com vergonha de ter dado o flagra.
Por isso e por tantas outras situações com as quais já me deparei nas minhas viagens é que considero provinciano quando uma pessoal fala do mal do Brasil e elogia tudo o que é de fora. Sempre penso: essa pessoa precisa viajar mais. Num instante, vai descobrir que o mundo é todo igual, que todos os países têm problema em maior ou menor grau, que mau caráter existe em todos os lugares, que o trânsito é ruim em qualquer cidade grande do mundo, que as filas são sempre grandes nos aeroportos e por aí, vai.



o trânsito em Paris

Lembro de uma vez, quando fazia intercâmbio em Ramsgate, na Inglaterra, um bêbado ficou horas batendo na porta da casa onde Alexandra, minha amiga até hoje, estava hospedada. A dona da casa ligou para a polícia para que fossem tirar o bêbado de lá. E sabe o que a polícia respondeu? Não podemos ir, pois não temos uma viatura. E como diz o meu amigo Osmário...apois!

sábado, 29 de dezembro de 2012

um trem para Roma

Giuliano Gemma

Assim que entrei no trem, com destino a Nápoles, logo me instalei numa das cabines que ainda estavam vazias. Na cabine ao lado, uma mãe e cinco filhas colombianas, a caminho de Gênova, para encontrar a sexta filha, que morava na cidade italiana há algum tempo. Muito simpáticas, elas vieram falar comigo e, se eu deixasse, passariam toda a viagem falando mal dos franceses, do trânsito ruim etc. Mas, dei um basta no tema, explicando que éramos todos latinos e estávamos viajando. Nessa situação, tudo é festa. Depois disso, vendo que eu não seria a interlocutora ideal para o falatório, a mãe abriu uma cesta enorme, cheia de guloseimas e fizemos um verdadeiro piquenique na minha cabine. Quando o sono bateu, elas se retiram e eu fique só. Mas, não por muito tempo. Logo, chegou um cara com a cara de Giuliano Gemma, um ator italiano, que eu acho que ninguém mais se lembra. Seguro do layout atrativo, ele foi entrando e perguntando: italiana? Eu, ainda em estado de choque, respondi: não. Ele insistiu: Francese? Não. Brasileira. E ele não “resistiu”: ma io amo le donne brasiliane! E foi entrando, sem pedir licença, fechando a porta da cabine e as cortinas. Sentou-se na poltrona ao meu lado, passou a mão por trás do meu pescoço e com a outra pela frente, me segurou na poltrona. Eu ainda titubeei, pois não acreditava no que estava acontecendo, achei que era uma alucinação, mas reagi e, com força, levantei e fui para a poltrona na frente dele. Ele riu assustado, mas continuou a conversar, disse que conhecia duas brasileiras, que dormia com as duas, que elas eram lindas, que brasileira não precisava usar roupa e coisas do gênero. Eu joguei um “balde de água fria” nele quando disse que ele estava vendo muita revista de carnaval, que aquilo era tudo mentira. Meio desencantado, vendo que daquele mato não sairia coelho, ele escapuliu da cabine e eu dormi. Só acordei no dia seguinte, com um homem tentando abrir a minha bolsa.

quarta-feira, 26 de dezembro de 2012

Trauma do bem

Meu trem de Paris para Roma estava marcado para as 20:43. Às 20, eu já estava em busca da plataforma. Mas, o trem que estava ali ia para Nápoles, que fica mais ao sul da Itália. Achei que o trem não era aquele e fui ao guichê de informações. A atendente disse que não falava inglês. Perguntei a outra e a resposta foi a mesma: Je ne parle pas anglais. Corri todo o guichê internacional e nada. Ninguém falava inglês – mas, isso era o que eles diziam. Fui ao guichê nacional e a mesma coisa. E como não tinha alternativa, comecei a perguntar a todos que passavam por mim. E todos se recusavam a falar inglês. Como assim? Num minuto, o árabe me adora. No minuto seguinte, todos os franceses daquela estação me odeiam? Na verdade, tratava-se de má vontade, o tal do mau humor francês que tantos falam.

Sem resposta, às 20:15, bateu o desespero e aí, já chorando, comecei a gritar: quem fala inglês, quem fala português? E um alemão se aproximou de mim. Eu expliquei o que estava acontecendo e ele se dispôs a me ajudar. Juntos, fomos a um guichê e, em francês, ele perguntou sobre o meu trem. A explicação foi o trem que vai para Nápoles passa em Roma. Respirei aliviada, agradeci ao alemão, desejei a felicidade dele, agradeci a Deus não ter que passar mais uma noite ali e corri para a plataforma. Entrei logo no trem e me instalei numa cabine vazia, com 6 lugares. Eu tinha comprado um Eurailpass na primeira classe. Se fosse de segunda, a minha cabine teria 8 lugares – essa era a única diferença.

Assim que me acomodei e aquietei o pensamento, jurei a mim mesma que, assim que chegasse a Aracaju, me matricularia na Aliança Francesa! E assim foi. Me matriculei no semestre seguinte e, por 9 anos, às terças e quintas, 6 da tarde, frequentei a AF. Cheguei ao Nanci I. Nesse período, além de ter feito grandes amigos, melhorei a qualidade das minhas viagens. Considero este trauma do bem!

segunda-feira, 24 de dezembro de 2012

um dia na Gare de Lyon

Depois de uma noite mal dormida num hotel de terceira, acordei de repente, louca para sair daquele lugar. Não passava muito das 6 da manhã quando cheguei ao guichê de câmbio, na estação de trem Gare de Lyon, que ficava na frente do hotel. Troquei os cheques por marcos, ignorei o restaurante Le Train Bleu, famoso por servir refeições desde 1901, e comi num outro qualquer - uma baguete com presunto e café com leite e um iogurte - e voltei ao hotel.
Mais de 90 milhões de pessoas passam pela Gare de Lyon, por ano.
Em vez de deitar e dormir mais um pouco, paguei a diária e peguei as malas. Queria embarcar no primeiro trem para Roma. Eu estava aflita, angustiada, e queria sair dali o mais rápido possível. Corri para a estação e quase tive um piripaque quando vi que o primeiro trem para Roma seria às 8:43 – da noite!!!!  Queria morrer de tanto sono que eu tinha! Mas, a meleca já tinha sido feita, a diária já estava paga, e eu já estava na estação. Sem ânimo para sair pela cidade, uma vez que voltaria a Paris com as minhas amigas, sentar num canto seria a melhor opção. Para passar o tempo, comprei um jornal e tentei decifrar o que ele dizia, comi e observei as pessoas. Lembrei que estava na capital da moda e comecei a prestar a atenção nas roupas que usavam, na postura, como se comportavam, o corte do cabelo. Mas, não foi o suficiente. Achei uma sala para as pessoas que estavam esperando a hora do trem, me acomodei e logo me transformei numa daquelas figuras que cochilam nas rodoviárias, que tentam equilibrar a cabeça em cima do pescoço e manter os olhos abertos – horrível!  Quase babando, pensei na minha casa, na minha mãe e quase choro outra vez.

Mesmo nessa situação calamitosa, um árabe bonitão sentou ao meu lado. Mas, ele só falava francês. E eu, um inglês vagabundo. Mesmo assim, ele insistiu em conversar. Assim, ele falava não sei o que bem-de-va-gar e eu respondia em português, já que ele não ia entender nada de qualquer jeito. Lá pelas tantas, depois de uma conversa muito doida, em que ninguém entendia ninguém, ele, já cansado de soletrar as palavras em francês, foi direto ao ponto: amour, amour, hôtel, hôtel... e, enquanto falava, foi me pegando pela cintura e enfiado o rosto no meu pescoço. Como assim, meu senhor..? Quem é você? E antes de pensar ih, tô bombando!, eu me desvencilhei do bofe,  pulei da cadeira e falei em alto e bom som: vou chamar a polícia! I ‘ll call the police! Polizia! Police! Polizei! Todos olharam, ele se assustou e saiu de fininho. Enfim, pude cochilar em paz!

sexta-feira, 21 de dezembro de 2012

Sufoco em Paris


Estava certa de encontrar as minhas amigas Dulce e Magali em Roma, num dia de agosto que já não me lembro mais. Para não nos perdermos, eu fiquei de encontrá-las no aeroporto. A viagem de Edimburgo para Roma não tinha sido fácil. Saí de Edimburgo, aos prantos, à meia-noite, e cheguei em Londres por volta das 7 e meia da manhã. De Londres, peguei um ônibus para Dover. Em Dover, um barco para atravessar o Canal da Mancha e chegar a Calais, na França. Em Calais, um trem para Paris. Cheguei às 11 e meia da noite e comecei a vagar pela estação em busca de informação. Mas, o guichê estava fechado. Eu deveria pegar outro trem para Roma na Gare de Lyon e eu estava na Gare du Nord, precisando trocar meus cheques de viagem para comprar o ticket de metrô. Mas, onde? Tudo fechado.

A cara de boba, claro, atraiu dois sabidos. O primeiro chegou insistindo para carregar a minha mala. Só tem cavalheiro, nesse lado do planeta? Em seguida, o outro, brigando para tomar a mala do primeiro. Mais uma vez, achei tudo muito estranho e, nesse momento, avistei um casal que estava vindo comigo desde Londres. Fui até eles e rapidamente contei o que se passava. Pedi para ficar com os dois. Mas, se precisasse, teria implorado. Eu estava apavorada. O inglês foi um cavalheiro e botou os “franceses” pra correr e juntos, fomos para a Gare de Lyon. Como os guichês estavam fechados, lá fomos nós 3, com apenas 1 ticket que a inglesa encontrou na bolsa, nos arriscando. Se alguém pegasse, iríamos todos parar numa delegacia.

Chegando à estação, a mesma coisa: nenhuma informação, câmbio fechado, nada para comer. Só uma certeza: era dali que o trem para Roma sairia. Meus novos amigos estavam indo para Nice, também ao sul. Resolvemos, então, sentar num canto e, ali mesmo, passar a noite, já que ninguém tinha como trocar dinheiro, impossibilitando a ida para um hotel ou comer alguma coisa. Estávamos muito bem, já conformados com as acomodações, quando uma funcionária da estação chegou e, "delicadamente", começou a empurrar nossa bagagem com uma vassoura. Na época, o que eu sabia de francês era, apenas, chez moi, Charles Aznavour e pas de deux. A mulher disparou a falar e a inglesa a arregalar os olhos. Eu não tinha ideia do que estava acontecendo. Por fim, ela traduziu pra mim e o namorado: a estação vai fechar. Devidamente enxotados pela funcionária, a solução foi atravessar a rua e tentar se hospedar num hotel em frente, bem vagabundo. Chegando lá, expliquei ao recepcionista a nossa situação e jurei por Deus que, no dia seguinte, pagaríamos o hotel. Ele aceitou a minha explicação, mas ficou com os nossos passaportes. Subimos 3 lances de escada para chegar aos nossos “quartos”. Tomei um banho e me deitei. Estava exausta, mas passei boa parte da noite observando a porta do quarto. Ela não fechava direito e dava para ver quando alguém passava no corredor. As cortinas deviam ter 500 anos, eram velhas e pesadas. Imaginei a população de ácaros e como eles deveriam ser felizes ali, naquele paraíso. Num canto do quarto, uma pia horrenda, e no outro, o banheiro, construído atabalhoadamente. O piso rangia quando era pisado, parecia um gemido. E o que é pior: eu ouvia o rangido dos outros quartos. Quem me conhece sabe o quanto isso é capaz de me assustar. Pela terceira vez na viagem, chorei. E me perguntei o que eu estava fazendo ali. E assim, dormi, ou melhor, desmaiei.

terça-feira, 18 de dezembro de 2012

Bye Bye, Edimburgo


Depois de dez dias perfeitos em Edimburgo, hospedada na casa dos meus amigos Keith e Bill, era hora de partir. Aquilo tudo estava tão bom, era tão confortável estar ali, entre amigos, mas eu tinha que ir, tinha um encontro marcado com minhas amigas Magali e Dulce, em Roma. E se eu não chegasse no dia marcado, no aeroporto, para esperá-las, a gente se perderia.

Magali, Dulce e eu, alguns dias depois, às margens do lago de Como, na Itália
A minha partida coincidiu com o fim do festival.  À noite, haveria música e fogos na rua do castelo e todos estavam se programando para ir. Quando cheguei em casa, por volta das 18:30, a casa estava iluminada e cheia de gente. Keith e Bill haviam convidado os melhores amigos para um jantar e, depois, irem todos para a Princess Street ver os fogos.

o castelo e os fogos
Rápido, tomei um banho, fechei a mala e desci. Meu ônibus para Londres era à meia-noite e queria deixar tudo pronto para viajar. Quando entrei na sala de jantar, até me emocionei. Ela já estava pronta, com um novo papel de parede e belas cortinas. Havia música e a mesa redonda de jantar estava lindamente decorada, com copos de cristal e talheres de mais de 100 anos – tinham sido da bisavó de Bill. O cardápio era delicioso (sim, a comida no Reino Unido pode ser boa!) e todos eram muito gentis comigo, queriam saber o que eu estava achando da cidade, como eu havia conhecido Keith, para ondo eu iria no dia seguinte. Só sei que alimentei, de quebra, a alma e o coração. 

Depois do lindo jantar, fomos todos para a Princess Street, ver os fogos ao som do hino do festival. Durante uns 15 minutos, os fogos coloriram o céu e a música foi a trilha sonora perfeita para aquele espetáculo. Quando olhava para os lados, via um povo feliz e simpático, muitos homens de kilts e crianças. Fiquei pensando nas muitas vezes que ouvi as pessoas falando que os ingleses são frios. Tudo bem, eu estava entre escoceses... mas é quase a mesma coisa (que eles não me ouçam!). Mas, lá, assim como aqui ou em outro país, encontrei gente fria, indiferente, simpática, generosa...gente de todo jeito.

Deixei Edimburgo com o coração apertado, um nó na garganta e uma vontade enorme de voltar logo. Em Roma, quando vi que o meu filme não tinha rodado na máquina e, portanto, não tinha uma única foto dos dias que passei em Edimburgo, chorei mais uma vez. Mas, dessa vez, de raiva de mim mesma.

segunda-feira, 17 de dezembro de 2012

anjos pelo caminho

Existe muita gente boa no mundo, gente simpática, disponível, pronta para ajudar. Ao longo da minha vida, tenho me deparado com essas criaturas, verdadeiros anjos da guarda que aparecem na hora em que mais preciso. E eles estão espalhados por todo o planeta. Quando a gente menos espera... olha lá uma mão estendida, um ombro amigo...

Um desses anjos me apareceu quando eu esperava o ônibus para Edimburgo, na Victoria Coach Station. Eu estaria completamente feliz se não fosse o medo. Medo da solidão, de não ter para quem pedir socorro. Não planejei a minha viagem, como faço hoje. Não sabia se keith estaria lá, à minha espera. E a minha cara deveria estar mostrando tudo isso.

10 milhões de passageiros passam por essa estação, por ano.
Depois de uma meia hora, sentada num dos bancos da estação, chega uma menininha com um suco de caixinha me oferecendo. Eu agradeci, falei que não estava com fome e comecei a conversar com ela. Logo depois, chegaram o pai e a mãe, com suco e sanduíche pra mim. Será que a minha cara é de fome? Acho que fome e medo se confundem, são muito parecidos. Eles explicaram que estavam me observando, que me acharam triste e perguntaram se eu estavam com algum problema. Eu falei que não, muito pelo contrário, que estava viajando de férias, mas que, realmente, naquele momento, eu estava com medo, apreensiva e me sentindo só, sem ter com quem dividir as observações, com quem conversar. Eles concordaram comigo, de que viajar sozinho tem vantagens e desvantagens,  e começamos a conversar, a falar de viagens.


Eles estavam vindo de Roma para Manchester, eram católicos e tinham ido pagar uma promessa. Falaram da cidade, do trânsito, do calor, dos passeios que fizeram e, quando eu percebi, eu estava mais tranquila, me sentia mais leve, mais confiante. Afinal, o que poderia me acontecer de ruim? Eles também perceberam isso, e como já estava perto da hora do embarque, eles se despediram e me deram uma medalhinha, comprada no Vaticano e abençoada pelo Papa, de Nossa Senhora. Fiquei emocionada com o gesto. Eles eram uns desconhecidos para mim. Mas, foram as melhores pessoas com as quais eu poderia estar naquele momento. Eles me deram ânimo e força, me encorajaram, me mostraram que nada de ruim poderia me acontecer.
Guardei a medalhinha na minha carteira por mais de 20 anos. E se não fosse o ladrão que me roubou a carteira, na Grécia, ela ainda estaria comigo.     

sábado, 15 de dezembro de 2012

delícia de rotina escocesa!


Nos dez dias que passei em Edimburgo, a minha rotina era mais ou menos essa, descrita no post anterior: acordava, tomava o belo café da manhã que Bill já deixava pronto para mim, levava o cachorro para passear, voltava e me arrumava para ir para a Pincess Street. Lá, passava o dia perambulando entre os artistas, vendo alguma apresentação de música ou de teatro, observando os escultores e pintores trabalhando, teatro de bonecos, mágicos, estátuas vivas, artistas de rua e centenas de turistas...

Também tinha o movimento do castelo, que fica numa montanha enorme, bem no centro da cidade. À noite, a visão do castelo é incrível, um verdadeiro cartão-postal. Era tudo muito novo pra mim, colorido e divertido. E o dia passava num piscar de olhos!

castelo de Edimburgo 
Como tinha tempo bastante e nenhuma pressa, conheci a cidade toda a pé. Passeei pela old town, visitei o Castelo de Edimburgo, a Catedral de St. Gilles, a universidade, o Museu Real, a Galeria Nacional, o Museu da Guerra, que fica no castelo, as ruas subterrâneas, as praças e, sempre que tinha chance, fazia as perguntas mais tolas que alguém pode fazer a um escocês: você usa saia? Você já viu o monstro do Lago Ness? Verdade que vocês não gostam muito da Inglaterra?


Princess Street

homem usando kilt
Em torno das 19 horas, eu pegava o ônibus de volta para casa. Quando chegava, morta de cansada, já encontrava Keith e Bill na cozinha, aprontando o jantar. No final, a briga era para que eles deixassem a louça por minha conta. Quando eu terminava, me juntava aos dois, na sala, para ouvir música, bebericar e conversar.

Keith, eu já conhecia, tinha sido meu professor de inglês, quando eu tinha 16 anos, no Instituto Canadá. Ele trabalhava, e trabalha até hoje, numa empresa que organiza, seleciona o voluntariado.  Bill trabalhava no Ministério da Agricultura, gostava de antiguidades e música. Os dois moravam juntos e tinham uma vida muito organizada.

Nunca esqueci os dias que passei na casa deles. Hoje, eles já não estão juntos. E keith se mudou Glasgow, outra cidade lindíssima da Escócia. Por um tempo, nos perdemos de vista. Mas, para a minha alegria, já nos reencontramos! Esse reencontro é tema para outro post!

carinho escocês


A minha primeira viagem para fora do pais foi longa, quase três meses, e começou por Londres e Edimburgo, capital da Escócia. Meu ex-professor de inglês era escocês,  morava em Edimburgo e, quando esteve no Rio e passou 4 dias lá em casa, insistiu para que fosse visitá-lo quando viajasse. Depois de alguns dias em Londres, cheguei bem no meio do Festival Internacional de Edimburgo – três semanas inteiras de música, teatro, cinema, dança, ópera, e várias outras expressões artísticas espalhadas pelos arredores do castelo, com gente de vários países, inclusive, do Brasil. Reconheci os conterrâneos porque eles estavam fantasiados de brasileiro (vestidos com a camisa da seleção, outros com a do Flamengo, do Palmeiras, do Vasco...).

performance na Royal Mile Street
Estávamos em agosto e a temperatura era de uns 10 graus, mais ou menos. Frio na medida certa. Cheguei às 6 da manhã e keith e Bill foram me buscar na rodoviária. A casa deles era grande e linda – tinha 3 andares, uns 5 quartos e duas salas bem grandes. Ele e Bill estavam querendo vendê-la e, para que ela saísse bem nas fotos, estavam, eles mesmos, redecorando: trocaram as cortinas, o carpete, o papel de parede, pintaram as portas e janelas...  O quarto onde fiquei era grande, tinha 3 camas, armário, mesa e duas cadeiras, poltrona, e era todo rosa – para uma menina! E era muito silencioso. Eu gostava de me deitar e ficar “ouvindo” aquele silêncio... Às vezes, ele era gritante.

Ali, fiquei uma semana inteira.  Acordava, tomava café e ia ao parque com o cachorro. Dava bom dia para o jornaleiro, conversava com os velhinhos no parque - assim que eu gosto de viajar, sem pressa, me misturando aos moradores. Quando voltava do parque, tomava um banho e pegava um ônibus para a Princess Street, rua principal do festival.  No trajeto de 10 minutos, eu não me cansava de observar o cuidado do motorista com as velhinhas que subiam. Ele parava o ônibus completamente junto da calçada e, muitas vezes, saía do seu lugar para ajudá-las. E só “arrancava” depois que elas se sentavam e se acomodavam. E o melhor: todos concordavam com aquilo, ninguém reclamava do tempo dedicado a essa gentileza. Eu me pergunto: quando vamos chegar a esse nível de civilidade??? 

sexta-feira, 14 de dezembro de 2012

A chegada - alma ou assombração?

London Bridge - cartão postal da cidade
Eu cheguei a Londres às 4 da tarde. E sabia que, àquela hora, os albergues já poderiam estar com sua lotação esgotada. Por isso, nem tentei, como era o meu objetivo, e fui direto ao balcão de informações, onde a atendente da Victoria Station me indicou um hotel, bem acima do meu orçamento. Cansada da viagem, não consegui ver outra alternativa.
   
Quando saí da estação de metrô, tentei me localizar no mapa e já estava começando meu caminho em direção ao hotel, quando uma “alma” caridosa se ofereceu para carregar a minha mala.  Nossa, que povo gentil! A “alma” se apresentou e, ao longo do caminho, foi contando que era da Argélia e que estava em Londres de férias, pela quarta ou quinta vez. E começou a falar mal da cidade. Achei estranho. Se vou a algum lugar e não gosto, nunca mais volto ali. E como já tinha ouvido muitas histórias mirabolantes, comecei a achar que o cara era um traficante sei lá do que, um cara mau, sei lá. Fiquei esperta. E com medo. 

Quando chegamos ao hotel, ele esperou que eu fizesse o check-in. Quando terminei, antes de subir para o quarto, agradeci a gentileza, desejei boas férias etc. Mas ele disse: vou subir. Hein?! Vou subir com você. Como assim, em que sentido? Vou subir com você. E aí, como quem incorpora um homem grande e forte, eu falei bem alto, no meu inglês meia-boca, para a recepcionista ouvir: não, eu não lhe conheço e você não vai subir, eu não convidei você. Ele ainda insistiu e eu fui mais incisiva: você sabe o que significa não? Minha resposta é não. Você não vai subir. Ou eu chamo a polícia. A recepcionista fez menção de se aproximar, mas não foi preciso. Ele deu meia volta e saiu. Eu subi pro meu quarto enooorme, sentei na cama e desabei. Chorei de medo e solidão. Nunca tinha me sentido tão sozinha e desamparada, longe de casa, sem ter para quem apelar. Tive pena de mim, sozinha, largada numa terra estranha... Meia hora depois daquela sessão de autocomiseração, levantei, abri a mala, tomei um banho e pensei: ei, eu estou em Londres!!!!

Londres não é uma unanimidade, mas é a minha preferida.

o início

Sempre gostei de viajar sozinha. Comecei, assim, as minhas andanças pelo mundo. Aos 20 e poucos anos, sozinha, com um frio na barriga e um nó na garganta, peguei um voo no Rio, da Aerolíneas Argentinas, para Londres, com conexão em Madri. De Madri para Londres, pela Ibéria.  

O primeiro voo estava lotado e sobrou, pra mim, a classe executiva. Viajei ao lado de um advogado do Ministério de Relações Exteriores da Argentina, que estava indo para Varsóvia. Ele contou que fazia essa viagem, pelo menos, uma vez por mês. Fiquei intrigada, mas não perguntei o motivo desse vai e vem. Apenas pensei: sorte dele. Ou azar, não sei.

De Madri para Londres, meu lugar no avião era numa janela. Já acomodada e bastante emocionada, pois estava indo à cidade dos meus sonhos, ouvi a voz de uma inglesinha ruiva e sardenta, de uns 12 anos, me perguntando se eu me incomodaria de ceder a janela para ela. Fui muito sincera e disse que sim. Eu precisava ver a cidade de cima, sabe como é? Aquele desenho sinuoso das ruas na periferia, o Tâmisa cortando a cidade... eu não podia perder. Aquela menininha era inglesa, já devia ter visto aquele cenário uma dezena de vezes... Além do que, o destino havia me colocado “naquela” janela. Depois que ela saiu, um tanto decepcionada, me arrependi. Mas, já tinha passado... ela havia encontrado alguém mais generoso que eu, mais civilizado, sei lá, e estava em outra janela.

o Tamisa cortando a cidade
Quando me dei conta, já estávamos sobrevoando Londres. Aquilo tudo parecia um filme, um sonho. Percorri as ruazinhas com os olhos, tentando adivinhar a vida de quem morava naquelas casas. E me bateu uma saudade daquela cidade para a qual eu estava indo pela primeira vez. A sensação era de que estava voltando para casa. No avião, começou a tocar Penny Lane, dos Beatles. O coração apertou, subiu um nó para a garganta e eu desabei - mas contida, civilizada. Isnif, isnif em vez de buaaaá, dá para entender?
o velho routemaster
No aeroporto, não havia ninguém me esperando. E, nessa primeira vez, eu não fiz como costumo fazer: ler sobre a cidade, reservar hotel, fazer um roteiro, pesquisar mapas... Resultado: não tinha ideia de onde ir. Mas, tudo era tão familiar para mim, que eu resolvi sair do aeroporto e, como quem já conhecia o pedaço, esperei. Chegou um ônibus e eu “reconheci” o destino: Victoria Station. Sim, era pra lá que eu deveria ir!  Chegando à estação, eu me dirigi ao balcão de turismo. Pedi sugestão de hotel e um mapa. A atendente me deu as coordenadas, indicou as estações de metrô e logo eu me senti at home.