terça-feira, 29 de janeiro de 2013

de trem com os metaleiros

Depois de 9 dias percorrendo lugares incríveis na doce companhia de Hans e Eunice, peguei um trem para Barcelona. Já estava acostumada à mordomia da casa dos meus amigos, mas, precisava ir. A ideia era viajar toda a noite e amanhecer na capital da Catalunha. 

panorâmica de Barcelona
No mesmo vagão que eu, uma turma animada de metaleiros, indo para um show do ACDC. "Animada" é gentileza minha, modo de dizer... À primeira vista, o grupo era assustador: todos vestidos de preto, exageradamente tatuados e cheios piercings, cabelos desgrenhados, caras de poucos amigos. Eu tremi. Morri de medo. Rezei. Até todos se acomodarem, eu estava aterrorizada. Só depois, vi que aquilo tudo era só um estilo. Tipo modelo na passarela, que faz cara de mal, de raiva, de fome, sei lá, mas, por baixo da maquiagem e do figurino, não passam de menininhas. Assim eram esses garotos. A idade física variava de 15 a 40 anos. Já na emocional, todos se confundiam. Não passavam de pré-adolescentes empolgados com a perspectiva de assistirem ao show dos seus ídolos.
metaleiros
Eu achei que eles precisavam de um banho. Ou alguns deles. O cheiro não era dos melhores e num vagão todo fechado...meu Deus, como será essa viagem...?! Confesso que deu vontade de ir para outro vagão, cheguei a procurar um lugar pra mim, mas desisti quando o trem saiu. Eu me sentia uma estranha no ninho, mas entreguei pra Deus. Vai ver, eu precisava passar por isso... Karma... resgate...! Sim, eu aceito!

Acomodei-me numa janela, embora fosse noite e não desse para ver nada. Um deles se sentou ao meu lado e logo puxou conversa. Aos poucos, fui baixando a guarda e prestando atenção no garoto de 17 anos, que não aguentava de tanta felicidade por ter conseguido viajar com os amigos. Ele precisava falar, tinha que extravasar. Para ir ao show, tinha brigado com o pai e a mãe, com a namorada e o vizinho, que abominava aquele tipo de música. E não estava satisfeito com o reboliço que causou. Quando tocava no assunto, as lágrimas queriam saltar! Mas, naquele momento, ele só pensava no show, em pegar o melhor lugar na fila do gargarejo e cantar e dançar com seus ídolos. Quando voltasse, acertava a situação com todos. Um parêntese: achei interessante a estratégia dele... "não vou sofrer hoje, só amanhã".

A viagem dos metaleiros seria um bate e volta. Eles chegariam de manhã, correriam para o lugar do show e, quando terminasse, pegariam o trem de volta. Quando chegassem em casa, era só tomar um banho e ir trabalhar. Todos trabalhavam. Alguns tinham empregos fixos. Outros, empregos de verão. Alguns eram casados. Outros, solteiros, com namorada... A unanimidade ficava por conta da paixão pelo ACDC. 

Fiquei pensando se eu teria um ídolo a quem eu pudesse devotar tanto amor, percorrer quilômetros e pagar caro para vê-lo se exibir. Essa reflexão consumiu boa parte do meu tempo e acabei dormindo, sem chegar a uma conclusão. Talvez, sim...

O dia amanheceu e o trem chegou a Barcelona. Até a saída da estação, fui acompanhada pelos metaleiros que, quando notaram que eu era brasileira, queriam saber de futebol, e só falavam em Falcão. Percebi que, quando deixei que eles chegassem mais perto, e começamos a conversar, esqueci que eles estavam exageradamente tatuados, cheios de piercing e com caras de mau. Juntei-me ao grupo e, num instante, eu era um deles. A roupa preta, a tatuagem e a cara feia podiam ser, apenas, uma questão de tempo.

domingo, 20 de janeiro de 2013

civilidade suíça

Quase um mês depois, voltei a Zurique, gripada, com febre e dor de garganta. Eunice e Hans me acolheram e lá fiquei por 9 dias. Três foram perdidos com a gripe – fiquei em casa, sem sair, só vendo TV, conversando, ouvindo música e lendo. Mas, os dias que restaram foram muito bem aproveitados.

Eu não estava muito preocupada em sair e fazer turismo, uma vez que eu já tinha visto tudo o que interessava. Mesmo assim, conheci várias cidades – Hans queria me mostrar toda a beleza do país e, como estava aposentado, saíamos todos os dias. Mas, eu queria, também, aproveitar e viver o dia a dia de um morador, ver o que eles faziam e onde faziam. Gostava de sair com Hans e Eunice para o supermercado, para a feira, para o açougue (verdadeiras boutiques de carne), lavanderia, levar o cachorro para passear... ficava comparando os preços, a educação, o nível de civilidade.

Em Zurique, há mais ou menos 30 anos, a preocupação com o meio ambiente já era grande, todos já se preocupavam com a preservação, com a vegetação, com a reciclagem do lixo, com a poluição, com os rios. Hans falava com muito orgulho dos rios, que não eram poluídos, e que todos no país sabiam nadar (a natação era obrigatória nas escolas), das áreas verdes, que eram preservadas a todo custo. E da campanha constante do “não desperdício”. Afinal, a Europa tinha vivido algumas guerras e as guerras ensinam muito! Ele me deu um exemplo: se naquele ano, a safra de maçã fosse maior que a do ano anterior, a população comprava mais maçã, para que não fossem jogadas no lixo. Incrível, né?!

Todos muito conscientes, muito polidos e civilizados, um exemplo pro resto do planeta! Até que um dia, saí com uma brasileira, amiga de Eunice. Cecília trabalhava fazendo faxina e fui com ela à casa de um cliente, acertar o dia da semana que ela faria faxina para ele. Fui apresentada ao suíço, por quem fui muito bem tratada. Mas, quando ele terminou de falar comigo e se dirigiu a Cecília... percebi o ar de superior, de autoridade. Assisti à cena com cara de boba, até porque o diálogo era em alemão. E saí de lá, com 5 barras de chocolate que ele me presenteou, e intrigada, sem entender nada. Cecília me explicou: eu era turista, estava deixando dinheiro no país, diferente dela, que era uma brasileira irregular, e que era “funcionária” dele. 

Naquele momento, toda a minha admiração e encantamento com a Suíça foi pelo ralo. 

domingo, 13 de janeiro de 2013

Suíça inesquecível

Depois de Roma, saímos meio sem destino: paramos em Siena, Florença, Veneza, Como, Milão e Varese. A hospedagem era, sempre, em albergue da juventude. Mas, em Varese, ficamos na casa de um amigo de Magali. Com ele, conhecemos toda aquela região e, de lá, fomos para Zurique, onde Hans e Eunice, amigos de Magali, nos esperavam. Mas, é difícil sair da Itália! A vontade que dá é de ficar ali para sempre, entre aquelas obras de arte, naquele museu a céu aberto. Mas, como o nosso propósito era perambular pelo continente, deixamos a Itália para trás, com o coração apertado.

Magali, Dulce e eu, no Lago de Como
Veneza
Galeria Victor Emanuel
Em Zurique, ficamos hospedadas na casa de Eunice e Hans. Eles moravam num apartamento delicioso, de dois quartos, mas muito amplo.  O prédio ficava numa área verde da cidade e tinha um abrigo no subsolo, que os moradores mantinham com alguns mantimentos. Herança de guerra. Na verdade, eles não tinham como esquecer a segunda guerra. Toda semana, passava um filme na TV, sobre esse tema, e os cidadãos suíços se viam obrigados a assisti-lo - para que os horrores da guerra não fossem esquecidos por ninguém. Nem pelas visitas!!! Mesmo que fosse um filme em alemão, bem velho e mal feito. O dono da casa traduzia para todos!

Assim que chegamos, soubemos que Hans e Eunice tinham comprado uma mesa para a comemoração da Independência do Brasil, organizada pela comunidade brasileira que morava em Zurique. A festa era num barco todo iluminado, e duraria umas 6 horas. Haveria um jantar com um grupo musical e umas mulatas brasileiras dançando. O grupo era formado por suíços e era muito engraçado vê-los sambando. Na festa, muitas brasileiras casadas com suíços, e suíças casadas com brasileiros. Também estavam o diretor do Banco do Brasil e algumas pessoas da embaixada brasileira. Fiquei com vergonha quando vi algumas brasileiras já de porre, dançando em cima das mesas. Mas, não tinha para onde correr – estávamos num barco no meio do lago de Zurique! Esperamos o passeio acabar para sair dali correndo! Mas, valeu, nos divertimos muito!

Magali, Dulce e eu, na festa brasileira
Alemão, francês e italiano são as três línguas oficiais do país, mas Eunice, que já morava em Zurique há mais de dez anos, só falava francês. O marido falava as três línguas, além de inglês. Hans era educado, culto, um cavalheiro, tinha, sempre, um sorriso nos lábios e todo o tempo do mundo para nos receber, pois já estava aposentado. Com ele e Eunice, conhecemos toda a cidade e arredores. Passávamos os dias juntos, vendo lugares deslumbrantes. Hans mostrava tudo com prazer e orgulho: os rios límpidos, sem poluição, as montanhas sempre decoradas com neve nos picos, a natureza preservada. Pelas belíssimas estradas que passávamos, víamos aqueles cenários incríveis, a composição perfeitas de montanhas, lagos, céu azul e casinhas de boneca - pareciam saídas da imaginação de um pintor. Víamos as casinhas pobres, também - mas honestas, inteiras, que abrigavam uma família com dignidade. Certamente, ali, pais e filhos não dormiam amontoados em um só quarto. As crianças que víamos estavam, sempre, limpinhas, cuidadas, com a bochecha cor de rosa, indo ou vindo da escola. Pensei comigo: essas crianças nasceram de uma mãe saudável, numa casa onde nunca faltou alimento, cresceram tomando leite, iogurte, comendo carne, com frutas e legumes à vontade. Tive vontade de chorar, comparando com os nossos brasileirinhos, e desejei aos políticos brasileiros todo o bem que eles nos proporcionam.


num dos muitos passeios que fizemos com Hans e Eunice
uma das belas e bem cuidadas estradas suíças
Nossa convivência era muito engraçada: Hans e Eunice se comunicavam em francês; nós três, com Eunice, em português; e com ele, em inglês. Depois, era tudo traduzido, já que nenhuma dessas línguas era comum a todos. 

Passamos quatro dias maravilhosos em Zurique. E, mais no fim da viagem, eu ainda voltei e fique mais 9 dias. Nós estávamos em Paris, que era a última cidade da viagem de Dulce e Magali. Dali, elas voltariam para o Rio e eu ficaria mais um mês - e sozinha! Mas, eu gripei, tive febre alta e elas só sossegaram quando me puseram num trem de volta a Zurique. Só assim, viajariam tranquilas. Dócil que sou, obedeci. Não dava para ignorar o febrão e a dor de garganta. Eunice e Hans foram me buscar na estação. Fiquei uns três dias de cama. Depois, foi só alegria!


eu e Eunice numa das muitas cidadezinhas que percorremos nos 9 dias que fiquei  com eles

quarta-feira, 9 de janeiro de 2013

a cidade eterna

Coliseu e o Arco de Constantino
No dia seguinte, às 9 horas, estávamos prontas para bater perna. O calor era grande. Usamos calça jeans, camiseta e tênis. Nada de verde e amarelo ou camisa do Flamengo. Éramos 3 brasileiras sem destino pelas ruas de Roma,  mas sem a menor necessidade de usar uma fantasia. 

a bela arquitetura do Coliseu - palco de tantos horrores
Primeiro destino: o Coliseu, símbolo do Império Romano, eleito, em 2007, uma das sete maravilhas do mundo moderno. Não é para menos! Fomos até lá a pé, encantadas com o que víamos pelo caminho. Era muita informação para quem estava saindo para tão longe, pela primeira vez. Em meia hora, chegamos diante daquele monumento colossal, como o nome mesmo diz. Lembro-me de quando ele despontou no final da rua e foi crescendo, crescendo...um susto! Pensei nas maravilhosas aulas de História que tive com a professora Bernadete, no Arquidiocesano. Que fim levou aquela professora de cabelo preto e lisinho, de sorriso fácil, que ensinava História como quem conta uma história?! E fiquei imaginando as cenas que ela descrevia – as execuções públicas, os jogos mortais, a tortura de gente e de animais, apenas, por diversão. Pensei na energia do lugar, no sofrimento que era para alguns e diversão para outros. Mesmo assim, o Coliseu era lindo, harmonioso, grandioso, imponente, e fiquei desejando voltar à noite – ele deveria ter uma iluminação especial. O contraste daquela maravilha com o trânsito em  torno era terrível. Naquela época, já estavam planejando proibir o trânsito em volta do Coliseu para não deteriorá-lo ainda mais.

eu, Dulce e nossos amigos
Na saída, conhecemos dois italianos, também encantados com a própria cidade. Eles tinham um fusca e muita cara de pau. Sem nos conhecer, ofereceram-se para nos mostrar a cidade. Mas, não aceitamos. Preferimos explorar a cidade a pé. Mas, eles nos acompanharam. Estavam de férias e não tinham nada melhor a fazer. Coitados, demos uma canseira nos dois. Rodamos a cidade inteira e acabamos na  Fontana di Trevi, por volta das 7 noite. Ainda não tinha escurecido. E, naquele tempo, a noite era uma criança!!!

sexta-feira, 4 de janeiro de 2013

encontro em Roma


Juntei-me aos outros, no desembarque do aeroporto de Fiumicino, para esperar Magali e Dulce. Muita gente, muito choro, risos, abraços, beijos, flores e barulho. As pessoas iam chegando e era aquela festa. Gosto de assistir a esses encontros e me distraí observando as pessoas. Um casal de namorados quase cai de tanto abraço; uma mãe desmaiou com a chegada da filha (acho que era filha), dois homens se esqueceram da vida, se abraçando... Até que me dei conta de que todos haviam saído do voo, menos as minhas amigas. Será que eu, realmente, havia me perdido com as datas? Isso não seria difícil de acontecer. Sou muito trapalhona. E comecei a ficar angustiada... eu precisava estar com elas naquele dia, estava cansada de estar sozinha, de falar outra língua, decifrar outros códigos. Meu Deus, ponha essas meninas, aqui, por favor! 

Magali e Dulce - parceiras de viagem
Perdi e ganhei a esperança várias vezes, me imaginei sozinha naquela viagem e até pensei em voltar antes do tempo, até que, depois de uma hora e meia, elas saíram daquela porta abençoada. Parecia a "porta da esperança", só faltou um fundo musical. Mesmo assim, chorei feito criança. E elas me olhavam surpresas. Por que essa louca está chorando? A demora aconteceu porque elas foram revistadas – levaram uma delas para uma sala, apalparam, perguntaram, falaram e depois liberam a coitada. Acho que eles queriam ver se ela não estaria entrando com alguma coisa suspeita no país ou, simplesmente, checar se ela não estaria chegando para ficar. Imagina.... quem trocaria o Rio por Roma??? 

No caminho para o hotel, contei toda a minha saga. Rimos um bocado. Depois que passa, tudo é festa. Eu estava feliz com a chegada delas. Sabia que íamos nos divertir muito! Depois de jantar, fomos dormir. A Europa nos aguardava!

quinta-feira, 3 de janeiro de 2013

Em Roma com os romanos

a cidade eterna
Cheguei em Roma às 9 da manhã, depois de uma viagem de 14 horas de trem. Ainda na estação, um homem veio me oferecer hospedagem. Ele disse que conhecia um hotel que era bom e que ficava perto. E a diária, uma pechincha! Paguei pra ver. E me dei bem. O hotel ficava no terceiro andar de um prédio super antigo, perto da estação central. Fomos até lá a pé. Pelo caminho, fui observando as pessoas e logo percebi que os italianos são o povo mais bonito do mundo! O carregador de mala era bonito, o padeiro, o porteiro do hotel, o guarda, o povo que passava... O bronzeado era uma “tendência” – ainda era verão! Todos bronzeados, cabelos bem cortados, elegantes. Muitos Mercedes como táxi, muita lambreta e um trânsito, digamos, familiar. Gostei do que via e me senti bem feliz depois da aventura vivida nas últimas horas. Além disso, a perspectiva de encontrar as minhas amigas me dava um certo conforto.

De cara, gostei do hotel. A recepção era simpática, o quarto era grande, com três camas enormes, bem iluminado e limpo. Apesar do calor que fazia, o quarto era fresquinho, quase frio - parecia que a gente tinha entrado numa caverna. Abri a mala e pus numa mesa baixinha, deixando um espaço para as malas de Magali e Dulce. Pendurei algumas peças no armário. Teríamos 6 dias em Roma. Pelo tamanho da cidade e o número de opções importantes, achei que não daria tempo para ver tudo. E não dava mesmo. Assim, elegi as prioridades e deixei o resto para a próxima vez que fosse à cidade. Sem stress.

Na recepção, peguei um mapa para me localizar e organizar a minha ida ao aeroporto. E como estava tudo bem demais, comecei a desconfiar de que Magali e Dulce não chegariam naquele dia, que aquela data era de saída delas do Rio. Mas, a fé que me move me levou ao aeroporto às 5 da tarde, depois de um banho e de almoçar no restaurante da esquina. O aeroporto estava a mais ou menos 30 quilômetros dali. Fui de ônibus, sem pressa de chegar.

Nunca tinha visto tantos policiais ostensivamente armados espalhados num só lugar, intimidando as pessoas. Naquela época, década de 80, os ataques terroristas aconteciam com facilidade e toda a segurança ainda era pouco. E o aeroporto Fiumicino era um alvo, palco de vários atentados, sequestros etc. Falei com várias pessoas, até chegar ao escritório da companhia, que não me lembro mais qual era, para saber se elas estavam ou não naquele voo. Assim que soube que havia um M. Sousa (com s) e um D alguma coisa (eu não sabia o sobrenome de Dulce), eu me tranquilizei um pouco – o M poderia ser de Marcos, Marcelo, Maria... mas, resolvi confiar e fui para o desembarque esperar minhas amigas.